Saúde da Mulher: Hormônios Sexuais


Na vida intrauterina, entre a sexta e a oitava semana de gestação, em embrião do sexo cromossômico feminino, 46XX, ocorre a diferenciação da gônada embrionária, bipotencial, em ovários. Na ausência do cromossomo Y, o feto desenvolve ovários e, na ausência de níveis de testosterona semelhantes aos masculinos, surge o fenótipo feminino.

A partir da puberdade, com ativação do eixo hipotálamo-hipófise, os ovários irão secretar estrogênios, em especial o estradiol, pelas células da granulosa dos folículos. O estradiol estimula o desenvolvimento das mamas (telarca), o crescimento do esqueleto e o desenvolvimento dos órgãos genitais internos (útero, tubas uterinas e segmento superior da vagina) e externos (vulva e terço inferior da vagina), que culminam com o início das menstruações (menarca). Quando os ciclos ovarianos se tornam ovulatórios, o corpo lúteo resultante da ovulação passa a secretar progesterona juntamente com estradiol. A progesterona é responsável pelas mudanças, sobretudo do endométrio, necessárias para manutenção da gestação.

Estrogênios desempenham um papel crucial na coordenação de muitos eventos neuroendócrinos que controlam o desenvolvimento sexual, o comportamento sexual e a reprodução. O estradiol é fundamental para a diferenciação sexual do cérebro, organiza circuitos neurais e regula a apoptose de neurônios. Além de seu papel no desenvolvimento, o estradiol previne a morte de células neuronais em uma variedade de modelos de lesão cerebral, modula o aprendizado e a memória, promove a formação de sinapses e influencia na síntese de neurotransmissores. A testosterona, agindo no cérebro, parece regular a reprodução, sexualidade e comportamentos emocionais em ambos os sexos, em contexto diferente relacionado ao gênero. A progesterona, por sua ação no sistema nervoso central, possui efeito hipnótico/sedativo, ansiolítico e anestésico/analgésico.

O estradiol exerce um efeito cardioprotetor positivo através de sua influência na função endotelial, miocárdica, vascular e metabólica. O estrogênio estimula a síntese de óxido nítrico (NO), causando vasodilatação. Os hormônios sexuais influenciam os mecanismos de regulação da pressão arterial (PA), sendo que os estrogênios exercem efeito favorável sobre os níveis da PA a longo prazo, sobretudo por mecanismos relacionados aos rins.

Estradiol, que é um fenol com propriedades antioxidantes, previne a oxidação de LDL-c e VLDL colesterol (VLDL-c) e protege a vasculatura contra os efeitos deletérios dos lipídios. Além disso, aumenta a expressão de receptor de LDL-c, aumenta a depuração de VLDL-c, diminui a produção de LDL-c, diminui o tamanho das partículas de LDL-c, aumenta a depuração de LDL-c leve e densa, entre outros.

O processo de remodelação óssea, que mantém o esqueleto saudável, pode ser considerado um programa de manutenção preventiva, removendo continuamente os ossos mais velhos e substituindo-os com osso novo e promovendo o equilíbrio entre remodelação óssea, reabsorção e formação.

Portanto, desde a puberdade e durante toda a fase reprodutiva da mulher (menacme), os hormônios sexuais exercem efeitos específicos e fundamentais não somente no sistema reprodutor, mas em todos os órgãos e sistemas. Sempre considerar os estrogênios, especialmente o estradiol, como o ator principal, a progesterona essencial na manutenção da gestação e a testosterona como coadjuvante em algumas funções específicas.

Alterações Hormonais na Menopausa

As mulheres nascem com todo o seu conjunto de folículos, cerca de 1-2 milhões. No início da puberdade, a massa de células germinativas já foi reduzida para 300-500 mil. Nos próximos 35-40 anos de vida reprodutiva, 400-500 serão selecionados para ovular e os folículos primários acabarão por se esgotar até próximo à menopausa, quando restarão algumas centenas. Durante o período reprodutivo, os oócitos (folículos) são gradualmente esgotados através da ovulação e da atresia (apoptose). A diminuição dos oócitos resulta na menor secreção de inibina B, diminuindo o feedback negativo sobre o hormônio folículoestimulante (FSH). O FSH leva a um maior recrutamento folicular e a uma perda folicular acelerada, com preservação dos níveis de estradiol na transição precoce da menopausa. Na faixa dos 40 anos, a anovulação torna-se mais prevalente em face da qualidade e da capacidade reduzidas dos folículos envelhecidos. Quando todos os folículos ovarianos estão esgotados, o ovário é incapaz de responder mesmo a níveis elevados de FSH e os níveis de estrogênio diminuem. O período pós-menopausa é caracterizado por FSH elevado (> 30 mUI/ mL) e níveis baixos de estradiol (< 30 pg/mL).

O ovário pós-menopáusico secreta principalmente androstenediona e testosterona. A maior parte dessa androstenediona pósmenopáusica é derivada da glândula adrenal, com apenas uma pequena quantidade secretada pelo ovário, embora a androstenediona seja o principal esteroide secretado pelo ovário pós-menopáusico. A produção de testosterona diminui aproximadamente 25% após a menopausa, mas o ovário pós-menopáusico na maioria das mulheres, secreta mais testosterona do que o ovário na pré-menopausa.

O nível circulante de estradiol após a menopausa é de aproximadamente 10-20 pg/mL, a maior parte derivada da conversão periférica de estrona, que, por sua vez, é derivada principalmente da conversão periférica de androstenediona. A proporção androgênio/estrogênio muda após a menopausa devido ao declínio mais acentuado do estrogênio, sendo comum o aparecimento de hirsutismo leve, refletindo essa mudança na proporção dos hormônios sexuais.

A “menopausa natural” é definida como a data do último episódio de sangramento menstrual de uma mulher. Ocorre em média aos 51 anos e 90% das mulheres passam por esse período entre 45 anos e 55 anos.

A menopausa espontânea entre 40 anos e 45 anos ocorre em cerca de 5% das mulheres e é denominada “early menopause” em inglês. A “menopausa induzida” ocorre após ooforectomia bilateral ou perda da função ovariana decorrente de quimioterapia ou radioterapia. A insuficiência ovariana prematura (IOP) é uma síndrome resultante da perda da atividade ovariana antes dos 40 anos de idade, afetando aproximadamente 1% das mulheres. O termo “menopausa prematura” pode ser usado para se referir aos casos definitivos de menopausa antes dos 40 anos, como os decorrentes de ooforectomia bilateral. O termo “transição menopáusica” (TM) refere-se ao período em que ocorrem alterações do ciclo menstrual pela diminuição da função ovariana, começando com a variação na duração do ciclo e terminando com o último sangramento menstrual.

A expressão “síndrome do climatério” engloba o conjunto de sintomas e sinais resultantes da interação entre fatores socioculturais, psicológicos e endócrinos que surgem conforme a mulher envelhece. Para padronizar a definição dos diversos estágios do envelhecimento reprodutivo, foi criado o sistema STRAW (Stages of Reproductive Aging Workshop – Oficina sobre Estágios do Envelhecimento Reprodutivo, em tradução livre).

Diagnóstico Clínico e Laboratorial

Com frequência, mulheres buscam assistência devido a alterações no ciclo menstrual durante a TM. Devido à redução da produção de inibina B pelos ovários ao final da quarta década de vida, é possível observar um aumento nas concentrações séricas de FSH e estradiol no início do ciclo, resultando no encurtamento da fase folicular. Além disso, a qualidade do corpo lúteo piora, levando a uma diminuição nos níveis de progesterona na fase secretora. O encurtamento do intervalo entre as menstruações é um dos primeiros sinais da diminuição da função ovariana.

À medida que os anos avançam, o processo de depleção folicular persiste e a anovulação torna-se cada vez mais comum. Devido à falta de contraposição progestacional, o intervalo entre os ciclos menstruais se estende, chegando a 40-50 dias. Episódios mais prolongados de amenorreia começam a ocorrer, intercalados por episódios de sangramento menstrual de volume variável. Esse padrão de sangramento menstrual pode persistir por um período de um a três anos antes da menopausa.

Os sintomas vasomotores (SVM), conhecidos como fogachos ou ondas de calor, são os mais comumente vinculados à TM. Esses sintomas envolvem sensações abruptas de calor na região central do corpo, especialmente na face, tórax e pescoço, e têm uma duração média de 3-4 minutos. Frequentemente, esses episódios são acompanhados por um aumento na frequência cardíaca (FC), vasodilatação periférica, elevação da temperatura da pele e sudorese. Se ocorrerem durante a madrugada, podem estar associados a distúrbios do sono, como insônia. Os SVM moderados/severos ocorrem em até 80% das mulheres. No início do declínio da função ovariana, os SVM podem ser leves, ocorrendo no nadir da secreção de estradiol, durante as fases lútea tardia e folicular inicial. A ocorrência de SVM aumenta significativamente durante a TM, atingindo aproximadamente 40% na transição precoce e elevando-se para 60-80% durante a transição tardia e nos estágios iniciais da pós-menopausa.

Na pós-menopausa tardia, a ocorrência dos SVM tende a diminuir; entretanto, até 30% das mulheres podem apresentar SVM moderados/severos após 10 anos da menopausa.

A caracterização da data da menopausa é feita retrospectivamente após 12 meses de amenorreia em uma mulher na faixa etária esperada para a TM. O diagnóstico da síndrome do climatério é estabelecido por meio de uma anamnese detalhada, complementada por um exame físico minucioso. Para mulheres com mais de 45 anos que apresentam queixas sugestivas de hipoestrogenismo, como SVM e alterações típicas do padrão menstrual (sangramento uterino pouco frequente), o diagnóstico da síndrome do climatério é clínico e não requer confirmação por outros exames complementares. Em casos em que há dúvidas quanto à sintomatologia decorrente da queda na produção ovariana de estradiol, a dosagem de FSH na fase folicular inicial pode ser útil para confirmar o diagnóstico. Valores acima de 25 mUI/mL podem indicar o início da TM. No entanto, é importante notar que as concentrações diárias podem variar de maneira considerável nessa fase. Recomenda-se, quando necessário, realizar duas dosagens com um intervalo de 4-6 semanas entre elas. Vale ressaltar que a maioria das mulheres em contracepção hormonal à base de progestagênio isolados terá padrões de sangramento alterados ou amenorreia, dificultando a orientação precisa sobre o status menopáusico. Se necessário, mulheres em contracepção hormonal com progestagênios isolados podem realizar medições séricas de FSH para avaliar o status menopáusico. Níveis > 25 mUI/mL são atribuíveis ao declínio da função ovariana. No entanto, os progestagênios isolados, como o acetato de medroxiprogesterona de depósito e os implantes hormonais, podem suprimir o FSH, o que significa que uma mulher em uso dessas medicações pode estar na perimenopausa sem mostrar aumento nos níveis de FSH. O momento ideal para medir os níveis de FSH em uma mulher usando acetato de medroxiprogesterona de depósito é logo antes de uma nova administração da medicação. Mulheres usando contraceptivos hormonais combinados têm níveis significativamente suprimidos de FSH, mesmo durante a fase livre de hormônios, o que os torna inadequados para informar aconselhamento sobre o status da menopausa. Além disso, os SVM são menos frequentes em decorrência dos efeitos do componente estrogênico do contraceptivo. Em mulheres usuárias de contraceptivos combinados em que seja necessário dosar o FSH, orienta-se suspender a medicação de 2-4 semanas antes da coleta sanguínea. Padrões de sangramento que não se encaixam nos previstos para o declínio da função ovariana, como sangramento muito frequente, em volume aumentado, com coágulos, demandam a investigação do endométrio com ultrassonografia e/ou biópsia endometrial. Para mulheres com idade inferior a 45 anos que apresentem queixas de sangramento uterino anormal, com padrão irregular e ciclos menstruais pouco frequentes, mesmo que o quadro clínico sugira hipoestrogenismo, recomenda-se uma investigação adicional para avaliar os sintomas e excluir outras causas de irregularidade menstrual, como gravidez, distúrbios tireoidianos e hiperprolactinemia.

Relação com a Mortalidade Cardiovascular

A doença arterial coronariana (DAC) é a mais comum causa de morte em mulheres na pós-menopausa, maior do que casos de câncer de mama ou outro câncer ginecológico. Os fatores de risco (FR) tradicionais para DAC incluem idade, tabagismo, estilo de vida sedentário, má alimentação, índice de massa corporal (IMC) elevado, hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), dislipidemia (DLP) e história familiar de DAC. Mulheres na pré-menopausa têm baixa prevalência de DAC, provavelmente devido aos efeitos protetores dos estrogênios. Há um aumento acentuado na incidência de DAC após a menopausa, normalmente cerca de 10 anos após o último período menstrual. É pouco provável que a menopausa por si só conduza a essa mudança, sendo que outros FR, como DLP, resistência à insulina, redistribuição de gordura e HAS, podem causar alterações metabólicas e vasculares contribuindo para risco de DAC e doenças cardiovasculares (DCV).

O envelhecimento vascular é caracterizado por enrijecimento progressivo das artérias com declínio na capacidade de vasodilatação, que progride de forma diferente em homens e mulheres. No início da menopausa, ocorre de forma acelerada, diferentemente da perda gradual da função vascular observada com o avançar da idade. A disfunção endotelial e o envelhecimento vascular contribuem para o desenvolvimento de HAS e aterosclerose, favorecendo o aumento das DCV na menopausa. O estradiol é crucial para a manutenção da função endotelial normal, aumentando a síntese de NO pelo endotélio vascular, processo conhecido como vasodilatação dependente do endotélio, cuja perda é uma característica da disfunção endotelial e é rapidamente afetada pelo declínio dos hormônios ovarianos com o envelhecimento reprodutivo na menopausa. Estudos demonstraram que o estradiol apresenta propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Sua deficiência regula positivamente o estresse oxidativo ou inflamação sistêmica, levando à diminuição da função endotelial.

As alterações no perfil lipídico das mulheres começam no período da TM, com aumentos no colesterol total (CT), LDL-c, triglicerídeos (TG). O Women’s Health Across the Nation (SWAN) foi um estudo prospectivo da TM que forneceu evidências de que a TM está ligada a perfis lipídicos adversos.

A evolução do processo aterosclerótico parece ser o resultado final de uma interação complexa entre DCV, FR e sua acentuação durante o período da perimenopausa. O aumento do risco cardiovascular (RCV) na menopausa decorre de importantes mudanças na fisiologia do sistema CV que afetam a vasculatura periférica, cardíaca e sistemas cerebrovasculares. Mudanças no perfil lipídico, rigidez vascular, parâmetros metabólicos e estresse oxidativo contribuem para o agravamento do RCV em mulheres na TM.

As estratégias de tratamento devem incluir controle rigoroso dos fatores de risco cardiovascular (FRCV) para prevenir o avanço da doença aterosclerótica em mulheres na menopausa.

Edição 10. Outubro/2024. Assessoria Médica – Lab Rede

Referência: Oliveira et al. Diretriz Brasileira sobre a Saúde Cardiovascular no Climatério e na Menopausa – 2024. Arq Bras Cardiol. 2024;121(7):e20240478. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20240478

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